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“Democracia está ameaçada em todo o mundo”, diz João Cezar de Castro Rocha.

BR 247 – “Se não reagirmos, em 15 anos não haverá mais democracia no mundo”, alertou o historiador e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), João Cezar de Castro Rocha, durante uma entrevista para o podcast De Fato, do Brasil de Fato RS. Rocha discutiu os perigos da ascensão da extrema direita e sua influência crescente na política global.

Em sua análise, Rocha destacou a disseminação da teologia do domínio, uma ideologia que interpreta literalmente passagens bíblicas para justificar um projeto político de expansão e controle. Ele explicou: “Na teologia do domínio, [o versículo] ‘crescei e multiplicai-vos’ é ampliado para significar a expansão da base neopentecostal na sociedade, visando, eventualmente, o domínio político.”

Além disso, Rocha apontou a manipulação da informação pela midiosfera extremista como uma estratégia preocupante. Ele observou que essa manipulação, baseada em uma mistura de erro, ilusão e apropriação seletiva do método científico, tem sido eficaz na disseminação de ilusões coletivas e na distorção da realidade política.

Com base em sua extensa pesquisa sobre o bolsonarismo e movimentos similares, Rocha ressaltou a urgência de uma reação. Ele baseia suas preocupações em seu livro “Bolsonarismo: Da guerra cultural ao terrorismo doméstico – Retórica do ódio e dissonância cognitiva coletiva”, publicado em 2023.

“Não verás país nenhum”, disse Rocha, citando Loyola Brandão, enquanto acrescentava: “Se não reagirmos em 10, 15 anos não veremos democracia nenhuma no mundo.”

URNA ELETRÔNICA E VERIFICAÇÃO COMUNITÁRIA DA FORMAÇÃO DO PODER COMO DECORRÊNCIA DO DIREITO AO SUFRÁGIO

Na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5889- DF se declinou a oposição do voto impresso com o sigilo do voto, expungindo-se do ordenamento a norma que consignava o voto impresso, invocando-se inúmeros princípios jurídicos. Sustentou-se a oposição entre o voto impresso e princípios jurídicos da economicidade e da eficiência.

Confirmo vimos salientado desde o livro As Antinomias do Direito na Modernidade Periférica, a interpretação do direito ocorre em três níveis complementares e articulados, a saber: o nível textual, intertextual e histórico.

Nesse contexto, em sendo o direito um fenômeno normativo, o texto é o parâmetro indeclinável para a interpretação. Por isso, temos, invocando a estética da recepção, salientado que a questão central do direito hoje é: como um texto estrutura a própria leitura?

Isso porque o intérprete, ainda que seja um momento necessário para o desvelamento dos sentidos, não pode desvirtuar os sentidos comunitários produzidos pela comunidade política.

Diante da recepção eufórica, na dogmática e na prática interpretativa, da teoria dos princípios, poucas foram as vozes que se abalançaram a questionar o óbvio: qual é a normatividade dos princípios? Que procedimentos metodológicos podem ser invocados para confirmar, cientificamente, a dedução normativa dos princípios?

Ricardo Guastini, jurista genial, em Lezioni sul linguaggio giuridico, em capítulo dedicado à obra de Dworkin, traz questões demolidoras da juridicidade dos princípios, revelando o caráter a-científico do uso dos princípios na interpretação do direito.

Ao articular que a teoria de Dworkin é a teoria da completude do ordenamento com a invocação dos princípios, registra que Dworkin deveria argumentar em duas frentes: 1) argumentar em favor de normas implícitas; 2) declinar qual o critério de validade de uma norma implícita.

As questões até, então, não foram respondidas, desvelando-se que a invocação de princípios na prática interpretativa resulta inadequada do ponto de vista metodológico.

Tendo em vista os níveis de interpretação, que desenvolvo no âmbito da Hermenêutica Jurídica Analógica, verifica-se que, no Brasil, os princípios tem sido inserido no âmbito do nível estrutural para produzir falsas antinomias e a revogação de normas hígidas constitucionalmente. Ou seja: os princípios são invocados para revogar normas.

Na medida em que não há dedução normativa dos princípios, invocá-los carece de metodologia e significa a corrosão da normatividade do direito.

No caso da Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 5889- DF, não houve a dedução dos princípios e, portanto, a decisão demonstra a ausência total de normatividade e é caso notório de apropriação privada da linguagem, que se verifica quando o intérprete atribui aos textos normativos significados que não guardam normatividade.

A ausência de normatividade da decisão tem efeitos políticos na medida em que, na ausência do voto impresso, fere-se cláusula pétrea- o voto direto e individual- e subtrai o processo eleitoral da verificação comunitária.

Se o cidadão não tem condições de aferir o voto, a comunidade política não detém as condições de verificar o resultado das eleições, o sufrágio perde a substância, a democracia bruxuleia.

Podemos afirmar que as eleições no Brasil não têm verificação comunitária de maneira que o sufrágio não é suscetível de aferição coletiva, e, portanto, a formação do poder é maculada no nascedouro.

Diretas já. Viva Sócrates Brasileiro.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

O QUE É IRRENUNCIÁVEL NO MARXISMO?

No cerne da Crítica da Razão Pura, Imanuel Kant coloca a imaginação como o atributo mais elevado do ser humano cujo desdobramento, desde que seja orientado com método, produz conceitos filosóficos e criações artistas. Pode-se, então, falar em imaginação política. O que o capitalismo faz é limitar o horizonte da imaginação, estabelecendo a máxima de que não há alternativas, incutindo o fatalismo e a resignação diante das injustiças. Despertar a imaginação, desde os estudos antropológicas das formas comunitárias e das relações que, nos interstícios da forma-valor, engendram o comum, é um exercício fecundo.

A descrição crítica do modo de produção do capitalismo é feita para abrir novos horizontes para a humanidade. Em razão disso, a análise do fetichismo da mercadoria na medida em que permite a revelação do mecanismo da mais-valia, isto é, da exploração, é irrenunciável. Por isso, a meu ver, as análises de Balibar que recusam a categoria de fetichismo não se dão mais no marco do marxismo. Se Louis Althusser criticava a categoria da alienação e do humanismo burguês da piedade era para não perder o foco das lutas de classes. E, naquele momento em que um humanismo abstrato qualquer queria considerar ultrapassada qualquer alternativa de emancipação, o gesto era adequado e rente à dinâmica da ordem mundial. Um gesto necessário na tradução do momento e mal compreendido por alguns discípulos já resignados.
De outro lado, na América, a recepção de Marx se deu, na contemporaneidade, de forma altamente equivocada e na defesa do progressismo rendido ao capital financeiro, que converteu os Estados em fundo de reserva de capital. Não é qualquer movimento político que engaja a classe operária. Há classe operária nas teorias de Dussel? Não vislumbramos e, na medida em que não somos nominalistas, a classe operária é uma realidade viva, ainda dispersa, não obstante, capaz de assumir maneiras organizativas nacionalista-populares-revolucionárias. É hora novamente do marxismo ortodoxo.
Não renunciamos ao Marxismo ortodoxo.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado, Professor do Departamento de Ciência e Tecnologia, Campus |||, Juazeiro, Bahia, UNEB.

VARIAÇÕES SOBRE UM AMIGO TÃO LONGE, TÃO CONTÍGUO

No teu idioma em que idioma ressoa teu verbo?
São variações e inflexões tão sutis que, nos interstícios,
parecem vencer as coordenadas espaço-temporais
rajadas silentes inaugurando um novo tempo e um novo espaço
São modulações difíceis de captar
Mas que irradiam num sorriso inesperado
Em gestos silentes,
na aparência de que tudo estivesse suspenso
Se elabora o mais fino raciocínio
Que sobrevém quando menos se espera
Irrompendo gracioso e tempestuosamente calmo
E é tão cintilante e é tão rútilo que todos aquiescem

Na fúria refinada dos momentos arriscados
Atinge o magma, a sanha feroz dos lutadores, ao antever, num átimo,
O golpe e dele se desvencilhar no momento exato
No segundo decisivo em que o silogismo parece falhar
E a razão parece lenta
Num átimo, no atletismo dos povos, encontra o gesto exato
Para inaugurar a pura possibilidade de ser mais.

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.

FACAPE: a intervenção necessária.

Eu tive a honra de me formar em Direito na FACAPE, curso que se mantém a anos dentre os mais recomendados pela OAB, muito mais pelo esforço individual dos estudantes que tomam o destino nas mãos e se prepararam para contribuir como advogados, juízes, promotores, defensores, procuradores, em colaboração aos demais profissionais lá formados, que cuidam da economia, da administração, do turismo, dos negócios da região.

Ainda como estudante, tomei parte em discussões sobre o modo peculiar de administração implantada na faculdade. A começar pela pessoa jurídica que ela é: uma autarquia que supostamente é mantenedora da faculdade, quando na verdade é a Facape quem sustenta a AVESF e sua máquina burocrática dispendiosa.

A gestão se assemelha ao sistema parlamentarista. É composta por um presidente que representa a autarquia externamente, tal qual um chefe de estado ou a rainha da Inglaterra, um diretor executivo que tem mais poder internamente que o presidente e dois outros atores menos relevantes, um diretor financeiro e um diretor acadêmico, com mandato de quarto anos e uma agenda vazia.

Na sexta-feira, li nos blogs locais que a prefeitura decretou intervenção na autarquia, com intuito nobre de frear a marcha acelerada para bancarrota financeira, que se assoma como previsível desde 2013, quando lá estive alardeando essa possibilidade, hoje inegável.

Então, diante dessa triste constatação, arrogo-me no dever de aqui sugerir alterações na estrutura administrativa da Facape, que sempre me pareceram capazes de prolongar o fôlego financeiro da nossa faculdade. A começar pela a adoção de novo modelo de gestão e de nova pessoa jurídica, que certamente lhe traria benefícios imprescindíveis nesse momento de reestruturação, reivindicado pelos servidores e pela sociedade petrolinense.

Acredito que o melhor para faculdade seria a extinção da Autarquia Educacional do Vale do São Francisco para dar lugar a Fundação Facape, com um modelo na qual apenas o presidente seria eleito para um mandato de quatro anos. Cabendo ao presidente eleito, nomear um Diretor Executivo de sua confiança, um Cordenador Financeiro dentre os profissionais técnicos da própria Facape, e um Cordenador Acadêmico com interlocução com professores e alunos.

Ao invés de um coordenador, com alto salário, para cada curso, sugiro a criação de dois departamentos: um para as Ciências Sociais e outro para as Ciências Médicas, com chefes com dedicação exclusiva e uma pequena gratificação pelo exercício do cargo. Eleitos pelos respectivos colegiados (docente e discente), também para um mandato de quarto anos.

Em vez de uma Comissão de Concurso, com três membros ganhando altos salários, com o presidente ganhando trinta por cento a mais que a remuneração dos vogais, um departamento técnico onde os membros ganhasse a medida que conquistasse novos contratos, colaborando decisivamente para maior diversificação da renda da Fundação Facape.

No lugar dos inúmeros cargos de confiança que sobrecarregam os gastos com pessoal e dos empreendimentos improdutivos sob a tutela de doutores bem pagos, que pouco ou nada contribuem para o progresso da Facape, sugiro a criação de consultorias técnicas, aptas a disputarem espaço no mercado, levando conhecimento e profissionalismo às empresas públicas e privadas do Vale do São Francisco.

Fora daí, restaria apenas redobrar os esforços empreendidos nas boas ideais como a ampliação do leque de cursos, a educação à distância, hoje tão em voga, e um mecanismo legal que obrigue a prefeitura a honrar os compromissos que assume, como pagar pela formação dos bolsistas em geral e, especialmente, dos servidores municipais e seus dependentes.

E, por fim, aposentar os professores que já conquistaram esse direito, para que desonerem a folha de pagamento com seus supersalários, muitos deles acima de 20 mil reais.

Essa, sim, seria uma intervenção necessária.

Por: Adão Lima de Souza, ex-aluno da FACAPE.

Pão Ázimo

Erguer uma mão fanática de sol

Não temer o acre exercício de sonhar

Porque das nervuras do que é metal ou éter

Assoma tua presença mais que marítima

Estrelas despenham-se em tua hora

E em teu medo mesmo que não as reconheçam

E nelas tua vida alcança altitudes já sonhadas na pura maça da infância

Ou nas primeiras letras em que o mundo sempre foi puro rebento de sol,

Pão ázimo ou qualquer ilusão palpável  nunca esquecida.

Por Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e professor da UNEB.

LACÔNICAS TESES  SOBRE O MARXISMO

Por que o marxismo pode renascer?

Marx dizia que a realidade viva vale mais que mil programas. O pensamento marxiano não é um conjunto apriorístico sem contato com a realidade viva.  O marxismo perde força quando se desconecta da realidade viva, torna-se uma caricatura vazia do que é o horizonte incontornável da pretensão crítica.

Quando o marxismo entende a questão nacional como questão central da geopolítica, torna-se fecundo. Os textos de Marx sobre a imbricação da causa operária e causa nacional na Irlanda são paradigmáticos. Nacionalismo não é provincialismo impotente, mas afirmação do direito de um povo estabelecer sobre seu território a livre determinação;

Quando o marxismo entende a religião como fator político, torna-se fecundo. Marx criticava a religião que se servia de ilusão para uma condição que só poderia ser transformada sem qualquer apego à ilusão. Quando afirma que a crítica da religião é premissa de toda crítica quer enfatizar a religião como sintoma das condições sociais e econômicas. A hermenêutica, enquanto ciência da compreensão de textos, surge, no século XVI, no contexto dos conflitos de interpretação decorrentes da reforma protestante. Não é por acaso que Engels, no livro sobre as revoltas camponesas na Alemanha, vê nas interpretações teológicas do líder religioso Thomas Münzer – que se opunha a Lutero- manifestação das primícias do socialismo: para o teólogo anabatista, que liderou movimento pela apropriação comunitária das terras, a igualdade é o reino dos céus na terra. A teologia é também um campo de luta. A Revolução Iraniana, consumada em 1979, é a prova mais cabal da importância política da teologia.

Quando o marxismo abandona de vez a primazia do culturalismo e se centra, como ponto de partida,  na análise do modo de produção, torna-se fecundo e floresce. A economia é fator determinante em última instância, sem desconsiderar a correlação interseccional com os outros subsistemas;

Quando o marxismo entende que o direito e estado não são blocos monolíticos, mas lugares de mediação do social-histórico e, portanto, campos de lutas de classes, podendo adotar novas compleições libertárias, torna-se fecundo;

Quando o marxismo consegue aliar lógica e história, teoria e prática, numa unidade indissolúvel, torna-se fecundo e capaz de contribuir, decisivamente, na libertação dos povos. 

Por: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, Advogado e Professor da UNEB.

MOVARUA: BASQUETEBOL NO DIA DAS CRIANÇAS

A tua voz principia o fruto

A tua voz principia o fruto

Nela, redivivo, surpreendo incêndios precursores

Na câmara cálida onde pulula o rio que te congraça

Pus minha origem e minha ressureição

Posso efusivamente dedicar-me a tua descoberta

O dia farto não exaure sua tinta

Telúrico

Salta no voo dos meus olhos

Paira no verde

Amplo e febricitante

De tua chegada

São as velas que ampliam o mar: Tu me ensinas

Eis que as velas brotam do amor

Para dar forma o que exala de tua fome de ser o

Mais puro lampejo

A feira de júbilo trouxe para ti os corais de Cora Coralina

No tropel de luas, maiores fragatas trarão a sede de novos périplos.

De: Luís Eduardo Gomes do Nascimento, advogado e Professor da UNEB.

Pronunciamento do ministro Luís Roberto Barroso.

I. Introdução

1. A propósito dos eventos e pronunciamentos do último dia 7 de setembro, o Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luiz Fux, já se manifestou com relação aos ataques àquele Tribunal, seus Ministros e às instituições, com o vigor que se impunha.

2. A mim, como Presidente do Tribunal Superior Eleitoral cabe apenas rebater o que se disse de inverídico em relação à Justiça Eleitoral. Faço isso em nome dos milhares de juízes e servidores que servem ao Brasil com patriotismo – não o da retórica de palanque, mas o do trabalho duro e dedicado –, e que não devem ficar indefesos diante da linguagem abusiva e da mentira.

3. Já começa a ficar cansativo, no Brasil, ter que repetidamente desmentir falsidades, para que não sejamos dominados pela pós-verdade, pelos fatos alternativos, para que a repetição da mentira não crie a impressão de que ela se tornou verdade. É muito triste o ponto a que chegamos.

Þ Antes de responder objetivamente a tudo o que precisa ser respondido, faço uma breve reflexão sobre o mundo em que estamos vivendo e as provações pelas quais têm passado as democracias contemporâneas. É preciso entender o que está acontecendo para resistir adequadamente.

II. A Recessão Democrática no Mundo

1. A democracia vive um momento delicado em diferentes partes do mundo, em um processo que tem sido batizado como recessão democrática, retrocesso democrático, constitucionalismo abusivo, democracias iliberais ou legalismo autocrático. Os exemplos foram se acumulando ao longo dos anos: Hungria, Polônia, Turquia, Rússia, Geórgia, Ucrânia, Filipinas, Venezuela, Nicarágua e El Salvador, entre outros. É nesse clube que muitos gostariam que nós entrássemos.

2. Em todos esses casos, a erosão da democracia não se deu por golpe de Estado, sob as armas de algum general e seus comandados. Nos exemplos acima, o processo de subversão democrática se deu pelas mãos de presidentes e primeiros-ministros devidamente eleitos pelo voto popular. Em seguida, paulatinamente, vêm as medidas que desconstroem os pilares da democracia e pavimentam o caminho para o autoritarismo.

III. Três fenômenos distintos

1. Há três fenômenos distintos em curso em países diversos: a) o populismo; b) o extremismo e c) o autoritarismo. Eles não se confundem entre si, mas quando se manifestam simultaneamente – o que tem sido frequente – trazem graves problemas para a democracia.

2. O populismo tem lugar quando líderes carismáticos manipulam as necessidades e os medos da população, apresentando-se como anti-establishment, diferentes “de tudo o que está aí” e prometendo soluções simples e erradas, que frequentemente cobram um preço alto no futuro.

3. Quando o fracasso inevitável bate à porta – porque esse é o destino do populismo –, é preciso encontrar culpados, bodes expiatórios. O populismo vive de arrumar inimigos para justificar o seu fiasco. Pode ser o comunismo, a imprensa ou os tribunais.https://af39ba6382ea8a93018518045fe89f3a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

4. As estratégias mais comuns são conhecidas:

a) uso das mídias sociais, estabelecendo uma comunicação direta com as massas, para procurar inflamá-las;

b) a desvalorização ou cooptação das instituições de mediação da vontade popular, como o Legislativo, a imprensa e as entidades da sociedade civil; e

c) ataque às supremas cortes, que têm o papel de, em nome da Constituição, limitar e controlar o poder.

5. O extremismo se manifesta pela intolerância, agressividade e ataque a instituições e pessoas. É a não aceitação do outro, o esforço para desqualificar ou destruir os que pensam diferente. Cultiva-se o conflito do nós contra eles. O extremismo tem se valido de campanhas de ódio, desinformação, meias verdades e teorias conspiratórias, que visam enfraquecer os fundamentos da democracia representativa. Manifestação emblemática dessa disfunção foi a invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, após a derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais. Por aqui, não faltou quem pregasse invadir o Congresso e o Supremo.

6. O autoritarismo, por sua vez, é um fenômeno que sempre assombrou diferentes continentes – América Latina, Ásia, África e mesmo partes da Europa –, sendo permanente tentação daqueles que chegam ao poder.

7. Em democracias recentes, parte das novas gerações já não tem na memória o registro dos desmandos das ditaduras, com seu cortejo de intolerância, violência e perseguições. Por isso mesmo, são presas mais fáceis dos discursos autoritários.

8. Uma das estratégias do autoritarismo, dos que anseiam a ditadura, é criar um ambiente de mentiras, no qual as pessoas já não divergem apenas quanto às suas opiniões, mas também quanto aos próprios fatos. Pós-verdade e fatos alternativos são palavras que ingressaram no vocabulário contemporâneo e identificam essa distopia em que muitos países estão vivendo.

9. Uma das manifestações do autoritarismo pelo mundo afora é a tentativa de desacreditar o processo eleitoral para, em caso de derrota, poder alegar fraude e deslegitimar o vencedor.https://af39ba6382ea8a93018518045fe89f3a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

10. Visto o cenário mundial, falo brevemente sobre o Brasil e os ataques sofridos pela Justiça Eleitoral.

IV. Referências ao TSE e ao processo eleitoral

1. No tom, com o vocabulário e a sintaxe que é capaz de manejar, o Presidente da República fez os seguintes comentários que dizem respeito à Justiça Eleitoral e que passo a responder.

I. “A alma da democracia é o voto”.

1. De fato, o voto é elemento essencial da democracia representativa.

2. Outro elemento igualmente fundamental é o debate público permanente e de qualidade, que permite que todos os cidadãos recebam informações corretas, formem sua opinião e apresentem seus argumentos.

3. Quando esse debate é contaminado por discursos de ódio, campanhas de desinformação e teorias conspiratórias infundadas, a democracia é aviltada.

Þ O slogan para o momento brasileiro, ao contrário do propalado, parece ser: “Conhecerás a mentira e a mentira te aprisionará”.

II. “Não podemos admitir um sistema eleitoral que não fornece qualquer segurança”

1. As urnas eletrônicas brasileiras são totalmente seguras. Em primeiro lugar, elas não entram em rede e não são passíveis de acesso remoto. Podem tentar invadir os computadores do TSE (e obter alguns dados cadastrais irrelevantes), podem fazer ataques de negação de serviço aos nossos sistemas, nada disso é capaz de comprometer o resultado da eleição. A própria urna é que imprime os resultados e os divulga.

2. Os programas que processam as eleições têm o seu código fonte aberto à inspeção de todos os partidos, da Polícia Federal, do Ministério Público e da OAB um ano antes das eleições. Estará à disposição dessas entidades a partir de 4 de outubro próximo. Inúmeros observadores internacionais examinaram o sistema com seus técnicos e atestaram a sua integridade.

3. Ainda hoje, daqui a pouco, anunciarei os integrantes da Comissão de Transparência das Eleições, que vão acompanhar cada passo do processo eleitoral. Nunca se documentou qualquer episódio de fraude.https://af39ba6382ea8a93018518045fe89f3a.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

Þ O sistema é certamente inseguro para quem acha que o único resultado possível é a própria vitória. Como já disse antes, para maus perdedores não há remédio na farmacologia jurídica.

III. “Nós queremos eleições limpas, democráticas, com voto auditável e contagem pública de votos”

1. As eleições brasileiras são totalmente limpas, democráticas e auditáveis. Eu não vou repetir uma vez mais que nunca se documentou fraude, que por esse sistema foram eleitos FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro e que há 10 (dez) camadas de auditoria no sistema.

2. Agora: contagem pública manual de votos é como abandonar o computador e regredir, não à máquina de escrever, mas à caneta tinteiro. Seria um retorno ao tempo da fraude e da manipulação. Se tentam invadir o Congresso Nacional e o Supremo Tribunal Federal, imagine-se o que não fariam com as seções eleitorais!

3. As eleições brasileiras são limpas, democráticas e auditáveis. Nessa vida, porém, o que existe está nos olhos do que vê.

IV. “Não podemos ter eleições onde (sic) pairem dúvidas sobre os eleitores”

1. Depois de quase três anos de campanha diuturna e insidiosa contra as urnas eletrônicas, por parte de ninguém menos do que o Presidente da República, uma minoria de eleitores passou a ter dúvida sobre a segurança do processo eleitoral. Dúvida criada artificialmente por uma máquina governamental de propaganda. Assim que pararem de circular as mentiras, as dúvidas se dissiparão.

V. “Não posso participar de uma farsa como essa patrocinada pelo presidente do Tribunal Superior Eleitoral”

1. O Presidente da República repetiu, incessantemente, que teria havido fraude na eleição na qual se elegeu. Disse eu, então, à época, que ele tinha o dever moral de apresentar as provas. Não apresentou.

2. Continuou a repetir a acusação falsa e prometeu apresentar as provas. Após uma live que deverá figurar em qualquer futura antologia de eventos bizarros, foi intimado pelo TSE para cumprir o dever jurídico de apresentar as provas, se as tivesse. Não apresentou.

3. É tudo retórica vazia. Hoje em dia, salvo os fanáticos (que são cegos pelo radicalismo) e os mercenários (que são cegos pela monetização da mentira), todas as pessoas de bem sabem que não houve fraude e quem é o farsante nessa história.

VI. “Não é uma pessoa no Tribunal Superior Eleitoral que vai nos dizer que esse processo é seguro e confiável”.

1. Não sou eu que digo isso. Todos os ex-Presidentes do TSE no pós-88 – 15 Ministros e ex-Ministros do STF – atestam isso. Mas, na verdade, quem decidiu que não haveria voto impresso foi o Congresso Nacional, não foi o TSE.

2. A esse propósito, eu compareci à Câmara dos Deputados após três convites: da autora da proposta, do Presidente da Comissão Especial e um convite pessoal do Presidente daquela Casa. Não fiz ativismo legislativo. Fui insistentemente convidado.

3. Lá expus as razões do TSE. Não tenho verbas, não tenho tropas, não troco votos. Só trabalho com a verdade e a boa fé. São forças poderosas. São as grandes forças do universo. A verdade realmente liberta. Mas só àqueles que a praticam.

4. Foi o Congresso Nacional – não o TSE – que recusou o voto impresso. E fez muito bem. O Presidente da Câmara afirmou que após a votação da Proposta, o assunto estaria encerrado. Cumpriu a palavra. O Presidente do Senado afirmou que após a votação da Proposta, o assunto estaria encerrado. Cumpriu a palavra. O Presidente da República, como ontem lembrou o Presidente da Câmara, afirmou que após a votação da proposta o assunto estaria encerrado. Não cumpriu a palavra.

5. Seja como for, é uma covardia atacar a Justiça Eleitoral por falta de coragem de atacar o Congresso Nacional, que é quem decide a matéria.

VII. Conclusão

1. Insulto não é argumento. Ofensa não é coragem. A incivilidade é uma derrota do espírito. A falta de compostura nos envergonha perante o mundo. A marca Brasil sofre, nesse momento, uma desvalorização global. Somos vítimas de chacota e de desprezo mundial.https://tpc.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html

2. Um desprestígio maior do que a inflação, do que o desemprego, do que a queda de renda, do que a alta do dólar, do que a queda da bolsa, do que o desmatamento da Amazônia, do que o número de mortos pela pandemia, do que a fuga de cérebros e de investimentos. Mas, pior que tudo, nos diminui perante nós mesmos. Não podemos permitir a destruição das instituições para encobrir o fracasso econômico, social e moral que estamos vivendo.

3. A democracia tem lugar para conservadores, liberais e progressistas. O que nos une na diferença é o respeito à Constituição, aos valores comuns que compartilhamos e que estão nela inscritos. A democracia só não tem lugar para quem pretenda destruí-la.

Þ Com a bênção de Deus – o Deus do bem, do amor e do respeito ao próximo – e a proteção das instituições, um Presidente eleito democraticamente pelo voto popular tomará posse no dia 1º de janeiro de 2023.